Desde o surgimento do homem ele precisa conviver com a maior de todas as suas certezas: a morte. Estranhamente, essa certeza é acompanhada, também, pela maior de suas dúvidas: o que haverá depois disso? Essas duas realidades impõem ao ser humano um sentimento que marcará toda a sua vida, o incômodo diante da certeza do fim. De certa forma, o incômodo talvez perturbe mais o ser humano do que a própria morte. Porque, afinal de contas, pode ser o incômodo o gerador de maior angústia para a existência humana.
Para muitos filósofos, a morte somente é capaz de aplacar o nosso corpo físico, mas a alma (ou ainda a essência de cada ser humano) permanece, mesmo após a morte. Essa é a filosofia defendida por pensadores importantes como Sócrates e Platão, por exemplo. A certeza de que a vida chegará ao fim nos acompanha desde muito cedo. Ao longo da vida, ao nos despedirmos de quem mais gostamos ou até mesmo ao sabermos da partida de quem nem sempre está nos nossos círculos de amizade, vai nos impondo, de forma silenciosa e imperiosa a certeza de que é o caminho que todos trilharão, independente de cor e situação social. Nesse sentido, essa certeza de que a vida findará em algum momento, faz da morte a realidade mais democrática que existe, todos serão “abraçados” por ela.
[bs-quote quote=”Entender que a vida é, sobretudo, feita de fases ou ciclos, contribuiria para fazer do ser humano algo melhor. Aproveitar cada momento da vida com consciência de que ela terá seu fim ajuda a fazer de cada fase um momento especial de aprendizado e compartilhamento” style=”default” align=”right” author_name=”RAYLINN BARROS DA SILVA” author_job=”É doutorando e mestre em História” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/raylinn-barros-180.jpg”][/bs-quote]
Por outro lado, a dúvida gerada pela morte coroa o incômodo que marcará toda a existência humana. Mas por que a dúvida sobre o que acontecerá após a morte tanto incomoda o homem? Porque o homem não é afeito a lidar com a dúvida, tanto não é afeito que ao longo da sua existência ele vai, gradativamente, buscar aproximar-se mais de certezas do que de dúvidas. A dúvida, seja qual for, o incomoda a ponto de lhe atormentar. A dúvida sobre o que acontecerá após a morte faz dela, para a grande maioria, o maior de todos os tormentos.
Ao longo dos tempos, como a humanidade lidou com o tema da morte e da certeza do fim? O historiador francês Philippe Ariès – estudioso do tema na história, em seu livro ‘História da Morte no Ocidente’ – mostrou a mudança no comportamento humano diante da morte na sociedade ocidental cristã, sob o ponto de vista histórico e sociológico. Ele abrangeu o período desde a Idade Média, quando segundo ele, a morte era domesticada, até nossos dias, quando a morte passou a ser rejeitada e temida. Tenho como opinião que o homem encontrou, basicamente, duas formas de lidar com a morte. Primeiro, ao se envolver com suas diversas atividades cotidianas, seus afazeres e obrigações diárias, o homem encontrou a primeira “saída” para lidar com a certeza da finitude. Ou seja, suas ocupações diárias ajudam-no a conviver com a certeza do fim de forma prática, nesse sentido, o homem busca “esquecer” diariamente que seu fim é certo.
A segunda forma de lidar com a morte encontra na religião sua maior expressão. Ao criar as religiões como forma de se reconectar com uma força superior e transcendente: Deus, a humanidade resolveu dois problemas que a atormentavam: primeiro, a necessidade de voltar a se relacionar com o criador, relação que de acordo com a leitura bíblica havia sido rompida com o pecado de Adão e Eva e, segundo, como consequência dessa reconexão, via religião, o problema da morte estaria resolvido, pela espera e desejo de salvação da alma. Nesse sentido, considero as religiões como respostas racionais que o homem encontrou para além de se reconectar com Deus, também lidar com a morte, superá-la, pode-se dizer.
O debate em torno da morte na filosofia envolve a discussão de questões filosóficas básicas, como também é uma espécie de introdução à literatura filosófica contemporânea considerada pertinente sobre o tema. No livro ‘A Filosofia da Morte’, o filósofo Steven Luper, reconhecido pesquisador, iniciou seus estudos sobre a morte com perguntas como, por exemplo, “O que é estar vivo?”, “Qual o significado de existir para cada um?” A partir de suas reflexões, acredita-se que talvez um dos maiores segredos da humanidade seja retirar dessa certeza que temos que é a morte, experiências que nos ajudem a viver da melhor forma possível.
Nesse sentido, entender que a vida é, sobretudo, feita de fases ou ciclos, contribuiria para fazer do ser humano algo melhor. Aproveitar cada momento da vida com consciência de que ela terá seu fim ajuda a fazer de cada fase um momento especial de aprendizado e compartilhamento com os demais das boas experiências de vida. A vida deve ser um aprendizado, a morte, o último dos ciclos, chegar nele com paz e sem remorso, o objetivo.
Finalmente, acredito que a morte é, no final das contas, a melhor amiga do homem. Mas por quê? Porque a sua certeza inevitável deveria servir de uma espécie de exercício racional cotidiano, para fazermos a cada dia pessoas melhores, não só melhores no sentido individual, mas principalmente no sentido coletivo. O homem vai ter fim, ao saber que vai ter fim, de forma racional deveria a cada dia tornar-se um ser melhor, para si e para os outros. A morte, nesse caso, seria uma realidade pedagógica que nos fariam pessoas melhores, mas ressalte-se, não para atender expectativas em outro mundo, mas nesse mundo, que tanto necessita de pessoas boas e comprometidas com a vida e a coletividade.
RAYLINN BARROS DA SILVA
É doutorando e mestre em História pela Universidade Federal de Goiás
raylinn_barros@hotmail.com