Um dos julgamentos mais famosos da história da humanidade traz pelo menos duas curiosidades interessantes, sim estou falando da condenação de Jesus Cristo à morte de Cruz no calvário. A primeira diz respeito ao horário em que Cristo foi julgado perante o Sinédrio, julgamento religioso, o qual ocorrera pela madrugada, um verdadeiro Tribunal de Exceção visto que a base jurídica da época não admitia o julgamento noturno. A segunda e mais importante, não foi assegurado a Cristo ser defendido por um advogado, cerceando assim seu direito de defesa em afronta ao contraditório e ampla defesa.
[bs-quote quote=”Não basta prever direitos e facultar aos indivíduos a sua observância, sob pena de a norma cair no vazio, é preciso implementar mecanismos legais que garantam efetividade e observância ao regramento legal” style=”default” align=”right” author_name=”VALCY RIBEIRO” author_job=”É advogado” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/10/valcyadvogado-180.jpeg”][/bs-quote]
Por conta da ausência de um advogado neste famoso julgamento, sucederam-se várias ilegalidades, como ausência de publicidade, testemunhas falsas, suspeição dos Juízes, falta de recurso etc.
Tomando por base este fato histórico que remete a uma condenação injusta, levando um inocente a morte cruel, podemos ressaltar a importância do papel de um Advogado na garantia do devido processo legal e, não é por acaso, a Carta Magna o considera indispensável a administração da Justiça.
Mas de outro lado, de nada adianta a garantia de representação por advogado se a este não for permitido a atuação com liberdade, dignidade e condições adequadas a seu desempenho de sorte a postular decisão favorável ao seu constituinte mediante o convencimento do julgador, daí o postulado das prerrogativas do advogado, com expressa previsão nos artigos 6º e 7º da Lei 8.906/94. Esta lei garante ao advogado o direito de exercer a defesa plena de seus clientes, com independência e autonomia, sem temor a qualquer autoridade que possa tentar constrangê-lo ou diminuir o seu papel enquanto defensor das liberdades.
Em que pese a previsão legal das prerrogativas do advogado, não é raro as vezes em que se tem notícias de que as mesmas são violadas, como se não bastasse as muitas dificuldades enfrentadas no exercício da advocacia, o advogado vez ou outra sofre ofensas em razão de sua atuação profissional. Tais situações chamam a atenção para uma necessidade de não só prever o direito como punir aqueles que atentam contra a liberdade e dignidade na atuação do advogado em todo o território nacional.
Neste particular, não basta prever direitos e facultar aos indivíduos a sua observância, sob pena de a norma cair no vazio, é preciso implementar mecanismos legais que garantam efetividade e observância ao regramento legal, dando a cada indivíduo a liberdade em optar por seguir a norma ou arcar com os ônus de seu descumprimento.
Na ordem natural se espera que todos os indivíduos sigam o regramento legal sem a coerção estatal, todavia há situações em que alguns tendem a não seguir a lei voluntariamente, este comportamento antijurídico somente é refreado mediante as sanções previstas no ordenamento jurídico, uma relação de causa e efeito, como salienta Vicente RÁO, inspirado em KELSEN:
“como as normas, consideradas do ponto de vista do fim e do efeito, tendem a dar nascimento a uma certa atitude e como os sujeitos aos quais se dirigem devem optar entre cumpri-las ou desrespeitá-las, segue-se que as normas devem anteceder os atos que formam o seu conteúdo, ou seja, os atos que lhes servem como fins e que resultam da opção realizada pelos sujeitos”(O Direito e a Vida dos Direitos, p. 558)
Neste raciocínio, a Advocacia Brasileira está em festa, pois terça-feira (24/9) houve a derrubada, pelo Congresso Nacional, do veto presidencial ao artigo da Lei de Abuso de Autoridade que criminaliza a violação das prerrogativas da advocacia, passando assim, ser punível, com multa e detenção de até um ano, violar os direitos de advogados e advogadas previstos no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906 de 1994), ou seja, não se trata de um simples benefício a uma classe e sim um dever legal de subordinação de todos, o verdadeiro império da lei em defesa das prerrogativas do advogado.
Na verdade, a criminalização da violação as prerrogativas do advogado se fazem necessária em benefício da própria justiça e por garantir o real exercício da cidadania àqueles que buscam a prestação jurisdicional por meio de um advogado que agora está em pé de igualdade com os demais personagens que integram o processo, desde o balcão do cartório até as salas de audiências deste País.
Portanto, este importante avanço legislativo reforça o estado democrático de direito na medida em que resguarda o advogado no exercício de sua profissão, permitindo a paridade de armas entre os demais sujeitos da relação processual e de forma reflexa garante aos cidadãos um processo justo e que assim seja para que nunca mais na história um inocente seja crucificado.
VALCY RIBEIRO
É advogado em Palmas
valcy@sescto.com.br