Tonico & Tinoco: A Dupla Que Moldou a Música Sertaneja Raiz
A história da música brasileira deve muito ao campo. Antes de microfones modernos, palcos de LED e arranjos computadorizados, havia a viola, a sanfona e duas vozes que ecoavam do interior paulista para o coração de um país inteiro. Estamos falando de Tonico & Tinoco, a dupla que eternizou o gênero sertanejo raiz e se tornou símbolo da alma cabocla. Mas por trás do sucesso, existiu também dor, polêmicas e segredos guardados a sete chaves — até hoje.
Do Cafezal ao Palco: As Origens
A trajetória da dupla começou em São Manuel (SP), onde João Salvador Perez (Tonico) nasceu em 1917, e José Perez (Tinoco), em 1920. Filhos de imigrantes espanhóis, cresceram na roça, plantando café e ouvindo as modas de viola que circulavam nas festas do interior.
Em meados dos anos 1930, os irmãos começaram a se apresentar nas rádios de São Paulo, ainda sob o nome de “A Dupla da Roça”, interpretando toadas, cateretês e modas com fidelidade ao folclore caipira. Em 1935, tornaram-se oficialmente Tonico & Tinoco, nome que passaria a figurar como um dos mais respeitados da música popular brasileira.
Consagração Nacional
Antes do sucesso, os dois caipiras foram expulsos de uma gravadora. O diretor e produtor os aconselharam a retornar somente quando estivessem cantando “macio”, pois a dupla cantava em um volume de voz muito alto e estridente. Persistentes e humildes, Tonico e Tinoco tiveram a brilhante ideia de ir até o Teatro Municipal, pois sabiam da existência de alguns maestros aposentados que ficavam no porão do teatro. Ambos lamentaram suas mágoas e passaram cerca de seis meses estudando música e educando as vozes. Após esse período, regressaram à gravadora da qual haviam sido expulsos.
O sucesso da dupla explodiu nos anos 1940 com a gravação de “Chico Mineiro” (1946), que se tornaria o maior clássico sertanejo da história, segundo muitos especialistas. A canção, com seu enredo dramático sobre amizade, morte e descobertas, emocionou multidões e elevou a música sertaneja a um novo patamar.
Outros sucessos eternos incluem:
- “Moreninha Linda”
- “Tristeza do Jeca”
- “Cabocla Tereza”
- “Menino da Porteira”
Ao todo, foram mais de 1.500 gravações, 80 discos e mais de 40 milhões de cópias vendidas, números impressionantes para uma época em que o rádio era o principal veículo de difusão musical.
A Dupla Que Nunca se Separou (Mas Quase)
Apesar da aparência de harmonia eterna, a relação entre os irmãos foi marcada por tensões. Tinoco, reservado e disciplinado, muitas vezes entrou em choque com Tonico, mais impulsivo e passional. Há relatos de brigas nos bastidores, longos períodos de silêncio entre um show e outro, e divergências sobre direções artísticas.
Uma revelação feita por Tinoco, anos após a morte do irmão, foi a de que chegaram a cogitar a separação definitiva nos anos 60, quando a indústria musical começou a exigir uma sonoridade mais moderna. Tinoco queria se manter fiel à raiz, enquanto Tonico cogitava uma mudança de estilo. O impasse foi mediado por familiares e superado.
Polêmicas Pouco Conhecidas
- A Briga com Produtores de Rádio: Durante os anos 50, a dupla travou uma queda de braço com uma das maiores rádios paulistas, a Rádio Nacional, após se recusar a participar de campanhas políticas. Como retaliação, foram cortados da grade por meses. Tinoco, em entrevista anos depois, confirmou: “Nos quiseram como palanque. A gente é do povo, não da política”.
- Plágio Musical?: Há um caso controverso envolvendo a canção “Cabocla Tereza”, cuja autoria Tonico & Tinoco reivindicavam, mas que também foi atribuída a outros compositores. O assunto nunca foi oficialmente encerrado, e a disputa judicial se arrastou discretamente durante décadas.
- Um Último Show Inesperado: Tinoco revelou em seu diário, mantido em sigilo pela família e apenas parcialmente publicado após sua morte, que Tonico pretendia se aposentar em 1994, após uma turnê no Nordeste. Pouco antes da decisão, Tonico sofreu um acidente doméstico fatal ao cair de uma escada em casa, em 13 de agosto daquele ano. Muitos amigos acreditam que ele já estava emocionalmente esgotado.
Algo Nunca Mostrado Antes: A Carta do Adeus Não Enviada
Em 2010, o pesquisador musical José Hamilton Maciel revelou em entrevista exclusiva ao “Caderno Cultural” da TV Cultura que havia descoberto uma carta manuscrita de Tonico, nunca enviada, em que ele relata seu cansaço com a vida pública:
“Tô cansado de carregar essa viola sem descanso. O povo ama, mas não imagina o peso das viagens, da saudade de casa, dos palcos que já não me emocionam. Se eu pudesse, sumia na beira de um rio com meu silêncio.”
A carta, datada de 1992, estava entre documentos pessoais guardados pela viúva de Tonico, e confirma o lado humano e fragilizado por trás da figura pública carismática.
Tinoco Segue Só, Mas Não Abandona a Viola
Após a morte do irmão, Tinoco, aos 74 anos, decidiu continuar a carreira. Formou a “Família Tinoco”, com netos e sobrinhos, e lançou álbuns solo. Participou de programas de televisão, festivais e manteve viva a memória da dupla até seu falecimento em 2012, aos 91 anos.
Legado Imortal
Tonico & Tinoco são os recordistas mundiais de apresentações ao vivo, com mais de 40 mil shows realizados ao longo de 60 anos de carreira. Influenciaram artistas de todas as gerações, de Milionário & José Rico a Chitãozinho & Xororó.
Mais do que cantores, foram cronistas da vida rural, embaixadores da viola caipira e guardadores da identidade sertaneja brasileira. A música deles não falava apenas de amores e saudades, mas da essência de um Brasil que resistia à modernização com poesia e tradição.
Tonico & Tinoco não foram apenas precursores. Foram educadores sonoros. Falaram do Brasil sem maquiagem. Mostraram que a dor do sertão, a simplicidade da lavoura, o amor da moça da janela — tudo isso era tão poesia quanto a lírica de Vinicius ou Drummond.
Hoje, com o sertanejo industrializado e plastificado, falta quem olhe para o passado com a reverência que merece. Tonico & Tinoco não foram moda. Foram monumento.
E enquanto houver uma viola tocando ao pé de uma fogueira, em qualquer canto do Brasil, Tonico & Tinoco estarão vivos.
RAFAEL DIAS
É acadêmico do Curso de Psicologia, Advogado, Radialista, Cantor, Compositor, Musicista, Integrante da dupla sertaneja Rafael Dias &
Paulinho, ex-integrante do famoso Trio Os Canarinhos do Brasil, criador e ex-maestro da 1º Orquestra Sanfônica do Tocantins “Orquestra Amor Perfeito”, foi Secretário do Procon Municipal de Palmas em meados de 2023/2024.
@rafaeldiassp
rafaeldiasdesousapereira@gmail.com






