O legislador, sábio que é, tendo em mente acelerar e otimizar a prestação da tutela jurisdicional, estando atento aos entraves do Judiciário, está sempre criando mecanismos para solucionar e dirimir os conflitos sociais: assim nasceu a usucapião extrajudicial.
Vale salientar que a palavra usucapião, mesmo tendo fortes divergências dos dicionaristas e gramáticos, é de dois gêneros, podendo ser usada no masculino ou feminino. O Código Civil de 1916 grafava amplamente no masculino, tendo o Novo Código Civil adotado o gênero feminino, sem laborar em equívoco.
Essa nova modalidade de usucapião despontou de modo embrionário com o advento da Lei 11.441 de 2007, que facultou a possibilidade de se fazer o inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por via administrativa. Essa modalidade não é criação do direito brasileiro: o Direito Português já disciplina o instituto desde 2002, e lá, como aqui, o propósito é o mesmo, desjudicializar, ou seja, facilitar a vida dos jurisdicionados, podendo resolver os conflitos de forma célere, e não necessariamente ter que usar o Judiciário.
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A usucapião administrativa veio ao mundo de modo claro e incisivo com o programa Minha Casa Minha Vida, instituído pela Lei 11.977 de 2009, com as alterações supervenientes da Lei 12.424 de 2011. Esta inseriu o artigo 288-A na Lei de Registro Públicos disciplinando a regularização fundiária urbana perante o Cartório de Registro de Imóveis.
A Lei 11.977 de 2009 não permite a utilização da via extrajudicial para todas as modalidades de usucapião. Dentro dos parâmetros lá estabelecidos, dentre outros, o imóvel deve está dentro do interesse social para que seja objeto do pedido de usucapião extrajudicial. Os critérios devem ser muito bem analisados pelo notário, pois se não estiver no trilho da lei, forçosamente irá parar nas vias judiciais.
Com a introdução da Lei 13.105 de 2015, Código de Processo Civil, no ordenamento brasileiro, veio a lume o procedimento cartorário e extrajudicial para a usucapião, claro, com o propósito de oficializar o domínio sobre imóveis particulares, seja urbano ou rural.
E para o ingresso no Ofício do Registro de Imóveis da situação do imóvel, a pessoa deve comprovar o justo título ou documento que evidenciem a origem da posse sobre o imóvel objeto da usucapião, bem como o tempo, se é posse contínua, sem oposição, a procedência, a qualquer tempo, especificando a origem, sem impugnação de confinantes e da pessoa em cujo nome está a matrícula, bem como pelos órgãos públicos. Com isso, o titular do cartório reconhece a usucapião e abre a matrícula averbando-a na matrícula de origem.
Para a compreensão do instituto não há outro caminho senão a leitura atenta do artigo 1.071 do Novo Código de Processo Civil que acrescentou o Artigo 216-A à Lei 6.015 de 1973, Lei de Registros Públicos, onde estão elencados os requisitos e pressupostos, bem como o desenho do procedimento a ser adotado pelo requerente e cartorário, quais sejam:
Sem prejuízo da via jurisdicional, é admitido o pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, que será processado diretamente perante o cartório do registro de imóveis da comarca em que estiver situado o imóvel usucapiendo, a requerimento do interessado, representado por advogado, instruído com:
I – ata notarial lavrada pelo tabelião, atestando o tempo de posse do requerente e seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias;
II – planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no respectivo conselho de fiscalização profissional, e pelos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes;
III – certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente;
IV – justo título ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como o pagamento dos impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
§ 1º O pedido será autuado pelo registrador, prorrogando-se o prazo da prenotação até o acolhimento ou a rejeição do pedido.
§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em 15 (quinze) dias, interpretado o seu silêncio como discordância.
§ 3º O oficial de registro de imóveis dará ciência à União, ao Estado, ao Distrito Federal e ao Município, pessoalmente, por intermédio do oficial de registro de títulos e documentos, ou pelo correio com aviso de recebimento, para que se manifestem, em 15 (quinze) dias, sobre o
pedido.
§ 4º O oficial de registro de imóveis promoverá a publicação de edital em jornal de grande circulação, onde houver, para a ciência de terceiros eventualmente interessados, que poderão se manifestar em 15 (quinze) dias.
§ 5º Para a elucidação de qualquer ponto de dúvida, poderão ser solicitadas ou realizadas diligências pelo oficial de registro de imóveis.
§ 6º Transcorrido o prazo de que trata o § 4o deste artigo, sem pendência de diligências na forma do § 5o deste artigo e achando-se em ordem a documentação, com inclusão da concordância expressa dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, o oficial de registro de imóveis registrará a aquisição do imóvel com as descrições apresentadas, sendo permitida a abertura de matrícula, se for o caso.
§ 7º Em qualquer caso, é lícito ao interessado suscitar o procedimento de dúvida, nos termos desta Lei.
§ 8º Ao final das diligências, se a documentação não estiver em ordem, o oficial de registro de imóveis rejeitará o pedido.
§ 9º A rejeição do pedido extrajudicial não impede o ajuizamento de ação de usucapião.
§ 10º Em caso de impugnação do pedido de reconhecimento extrajudicial de usucapião, apresentada por qualquer um dos titulares de direito reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, por algum dos entes públicos ou por algum terceiro interessado, o oficial de registro de imóveis remeterá os autos ao juízo competente da comarca da situação do imóvel, cabendo ao requerente emendar a petição inicial para adequá-la ao procedimento comum.
Jurisprudência Selecionada – EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. INDEFERIMENTO DA INICIAL. EXTINÇÃO PREMATURA DO FEITO. DESNECESSIDADE DA VIA EXTRAJUDICIAL. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. RECURSO PROVIDO. – O Novo Código de Processo Civil, ao prever em seu art. 1.071 a possibilidade de a usucapião ser postulada diretamente na via extrajudicial se trata de inovação que traduz extrema celeridade ao procedimento. Contudo, trata-se de opção do usucapiente, e não obrigatoriedade, tanto é que própria norma prevê que o pedido extrajudicial se dará “sem prejuízo da via jurisdicional”. Entendimento contrário viola o princípio do livre acesso ao Poder Judiciário previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição da República Federativa do Brasil. Logo, a ausência de requerimento de usucapião perante o cartório de registro de imóveis não é fator que suprime o interesse de agir para a propositura da pretensão perante o Judiciário. – Portanto dá-se provimento ao recurso de apelação, para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à Comarca de origem para que o feito prossiga nos seus ulteriores termos (Apelação TJTO, 00261795120178270000. Relator: Des. José de Moura Filho. Autuação em 19.12.2017).
O julgador tocantinense acertadamente chancelou exatamente o que a lei diz. Disse que o posseiro pode ingressar tanto na via extrajudicial como na via judicial, ou seja, o usucapiente, a pessoa com os direitos e requisitos para o reconhecimento do domínio, pode fazer a opção. Claro, se escolher a usucapião extrajudicial deve preencher os requisitos de lei.
MARCELO BELARMINO
É advogado, jornalista e técnico agrícola. Atua nos diversos ramos do direito, tendo foco central o direito Agrário
advocaciammb@gmail.com
Site: http://www.advocaciaagraria.adv.br/