Era 1993 e o amigo pessoal do então presidente Itamar Franco, seu ministro-chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, foi citado na CPI dos Anões do Orçamento. Sobre ele recaía a suspeita de, por funções que exercera no Senado, ter tido conhecimento ou mesmo até participado do esquema. Diante da divulgação, a oposição colocou o presidente no alvo para desgastá-lo.
Para poupar o amigo, Hargreaves tomou uma atitude de elevado espírito público e pediu exoneração do cargo para que tudo fosse esclarecido. Os opositores do governo perderam o discurso e Itamar encontrou paz. Três meses depois, nada foi encontrado contra o amigo do presidente, que, ainda mais fortalecido, pôde voltar à gestão, na qual ficou até o fim do mandato.
[bs-quote quote=”É de lamentar os argumentos dos deputados estaduais nessa quinta-feira, 22, para blindar Quaresmin e não convocá-lo para prestar esclarecimentos à Assembleia. Qual o problema dele ir ao Legislativo e colocar tudo em pratos limpos?” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/07/ct-oficial-60.jpg”][/bs-quote]
Essa história me veio à mente quando me deparei com o nome do sobrinho do governador Mauro Carlesse (DEM) e secretário extraordinário de Parceria Público-Privadas, Claudinei Aparecido Quaresmin, no polêmico áudio que circulou nas redes sociais no final da semana passada. O médico Luciano de Castro Teixeira disse que Quaresmin estaria envolvido num esquema de cobrança de 23% de propina dos prestadores de serviços do Plansaúde.
Como o caso do próprio Hargreaves mostrou, não se deve partir para o pré-julgamento. Só porque alguém disse algo não significa que seja verdade. É preciso que as provas apareçam, ainda que, do ponto de vista administrativo, para o caso de servidores, há uma inversão do ônus da prova: o agente público é que tem que demonstrar que não deve.
Porém, em épocas insanas de bolsonarismo x petismo, tenho cada vez mais horror a radicalismos. Prefiro sempre aguardar o devido processo legal e o que concluirá o Judiciário. Mas se faz necessário reconhecer, ainda que insistindo na presunção da inocência, que as denúncias apresentadas no áudio são muito graves e precisam ser apuradas.
Como no governo Itamar, o escândalo deu novo gás à desarticulada e enfraquecida oposição a Carlesse, que começa a se organizar e a engrossar o coro. Bem antes desse áudio ter vindo a público, o deputado federal Vicentinho Júnior (PL), em vídeo no Instagram, no início de julho, citou um suposto envolvimento de Quaresmin com a Operação Via Avaritia, que significa “estrada da ganância”, um esquema que pode ter dado um prejuízo de R$ 29 milhões aos cofres do Estado.
O parlamentar sugeriu que o sobrinho do governador será delatado pelo superintendente da Agência Tocantinense de Transportes e Obras (Ageto), Geraldo Pereira da Silva Filho, preso em Minas Gerais por suspeita de fraudes em reformas de imóveis públicos e obras de pavimentação asfáltica.
Quaresmin ainda teria sido o pivô da saída do ex-secretário estadual de Infraestrutura, Cidades e Habitação (Seinf) Renato Assunção, que não teria cedido a algum tipo de pressão. Isso é verdade? Se for, que pressão teria sido essa? Mais uma vez é importante reforçar que não se pode prejulgar. É preciso esperar o devido processo legal.
Agora é de lamentar os argumentos dos deputados estaduais nessa quinta-feira, 22, para blindar Quaresmin e não convocá-lo para prestar esclarecimentos à Assembleia. Qual o problema dele ir ao Legislativo e colocar tudo em pratos limpos? Parlamentar dizer que quem deve fiscalizar os atos do Executivo são os órgãos de controle é porque desconhece completamente que uma de suas missões principais é justamente a de fiscalização, e que liberar emendas para prefeitos não está entre as suas prerrogativas.
De outro lado, o requerimento do Professor Júnior Geo (Pros) para convocar Quaresmin foi absurdamente equivocado, quando justifica que o secretário deveria ir prestar esclarecimentos sobre o funcionamento do Plansaude e sobre os contratos de serviços com clínicas e hospitais. Do ponto de vista funcional, a pasta de Parceria Público-Privada não tem qualquer relação com o Plansaude.
A justificativa deveria ter sido exatamente para explicar a citação de Quaresmin no áudio gravíssimo, uma vez que se trata de um secretário de Estado e sobrinho do governador, parentesco que dá uma dimensão ainda maior ao cargo que ocupa. O equívoco do requerimento deu consistência à recusa da convocação, mas não pelos argumentos rasos e primários dos demais deputados, que mostraram um completo desconhecimento de seu papel.
No entanto, o arquivamento do pedido de convocação não encerra a crise política. O MPE está se movimentando, a OAB-TO diz que vai se mexer e os sindicatos de servidores já começaram a agir. Além disso, existe uma opinião pública indignada e perplexa diante dos comentários de que o sobrinho do governador estaria cobrando propina de 23% para pagar clínicas e hospitais que vivem suspendendo o atendimento aos servidores justamente porque não conseguem receber o que o Estado lhes deve.
Por isso, volto a insistir no que ocorreu no governo Itamar Franco, que Quaresmin deveria mirar-se no exemplo de Henrique Hargreaves e entregar o cargo. Poderia voltar de cabeça erguida e ainda mais fortalecido quando tudo estiver explicado e ele completamente inocentado.
Na secretaria, Quaresmin fragiliza o governo e poderá levar o governador Carlesse ao completo desgaste, dando força a uma oposição que, totalmente desarticulada, ainda tenta se encontrar.
Astorga (PR), 23 de agosto de 2019.