Caro amigo conselheiro André,
Infelizmente não pude ficar até o final da solenidade do “Dia D pela Primeira Infância”. No entanto, estive o tempo suficiente para confirmar a grandeza da bandeira que sua gestão abraçou. A causa é sublime porque diz respeito ao que temos de mais importante, nossas crianças, e por apontar para o que nos é mais caro, o nosso futuro. Ver seu empenho pessoal e institucional para garantir melhores condições de vida e de formação cidadã para esses meninos e meninas faz este meu coração pessimista ter alguma esperança de que, quem sabe, a rota traçada rumo ao despenhadeiro que nos espera à frente possa ser alterada no último instante, como vemos nos emocionantes trailers hollywoodianos.
E o amigo está repleto de razão ao focar todo esse esforço na primeira infância. Afinal, é entre 0 e 6 anos que a psicologia nos ensina que o cérebro está mais aberto a novos aprendizados. É quando se constrói a base para o seu funcionamento ao longo de toda a vida. Ou seja, é nessa fase que família e sociedade precisam garantir às crianças os alicerces fundamentais para que o adulto formado possa retribuir com toda a sua potencialidade intelectual, afetiva e social.
E, caro André, como o TCE mesmo apontou, o prognóstico atual não é nada promissor no Estado. Da fiscalização que vocês fizeram numa pequena amostra de 18 escolas públicas voltadas à primeira infância, 55,5% registraram inadequações nas salas de aula, 83,3% sequer possuem biblioteca (como isso é possível?), 33,33% não dispõem de equipamentos de informática para uso dos professores, 77,78% não têm coleta de esgoto; 83,33% dos banheiros apresentam problemas de infiltração, paredes rachadas e telhado quebrado e em 72,22% delas as instalações dos banheiros não estão adaptadas de acordo com o Plano Nacional da Educação (PNE). No geral, 73,33% das escolas tocantinenses visitadas indicam inadequação à primeira infância.
Novamente recorro aos tratados de psicologia para lembrar que a educação infantil é essencial para que a criança tenha um convívio social além do núcleo familiar. É na escola que meninos e meninas aprendem a se relacionar e viver em sociedade, desenvolvem habilidades fundamentais à formação humana, as capacidades cognitivas e motoras. Mas como isso é possível em local tão inóspito? Diante das agruras que enfrentam em suas escolas, o resultado pode ter efeito contrário e desastroso. Esse trauma nos primeiros anos de existência vai perdurar por toda a vida estudantil. A incapacidade da escola de abrigar decentemente sua comunidade é, em grande parte, responsável pela grande evasão que assusta educadores, sobretudo nos ensinos fundamental e médio.
Claro que o problema da primeira infância ainda passa por questões estruturais mais profundas, por um debate que chega às nossas abismais desigualdades sociais – que precisamos ter a coragem, como sociedade, de enfrentar e combater. Assim, é necessário que o esforço dos gestores pela primeira infância ultrapassem os muros das escolas e chegue à residência das crianças. É inaceitável que um brasileirinho ou brasileirinha passe fome. Como aprender de estômago vazio? Como se relacionar afetivamente e socialmente de forma positiva com fome? Quais as marcas que a fome deixa numa criança de 0 a 6 anos pelo resto de sua vida? As políticas públicas para a infância, por isso, André, têm que extrapolar os limites da escola.
Sagaz, o amigo conselheiro percebeu que aí cabe a intervenção do Poder Público. E você tem razão mais uma vez. Não é algo que deva ser facultativo, mas uma obrigação do gestor investir todos os recursos possíveis na infância. Por isso, a necessidade de leis específicas, previsão orçamentária e financeira, de tornar esse esforço mais do que boa vontade política e pessoal, mas uma imposição a despeito de quem esteja na condução da administração pública.
Lógico que é necessário entender as dificuldades que enfrentam os municípios. A vida dos prefeitos não tem sido fácil, sobretudo os menores, que não tão contam com uma economia vibrante para lhes assegurar elevada arrecadação. Mas também devemos considerar que é justamente a escassez que exige planejamento, e esse é um dos grandes males da gestão pública do Tocantins e do Brasil. Não temos a cultura do planejamento. O futuro não dá votos, só o presente.
Contudo, amigo André, nossos políticos precisam elevar o espírito público e se conscientizar de que a gestão não deve viver apenas das próximas eleições. As dificuldades existem diante da grave crise dos municípios, mas se todos se unirem – municípios, estado e bancada federal –, os recursos vão aparecer e teremos um futuro melhor para as nossas crianças, o que significa dizer para toda a sociedade, porque elas serão os adultos de amanhã.
Portanto, ao convocar os prefeitos e o governador para essa guerra em defesa da infância, o TCE-TO cumpre uma missão institucional, republicana, democrática, dentro de sua área de atuação, que é zelar pelas contas públicas, que sempre devem visar o bem-estar da comunidade.
A vida passa muito rápido, amigo, e todos os governos terminam num estalar dos dedos (ainda que muitos se enganem e se imaginam eternizados no poder). E, como falamos de infância, tempo e futuro, é oportuno trazer o que nos disse, em belíssimos versos, o grande Toquinho, em sua “Aquarela”:
“E o futuro é uma astronave
Que tentamos pilotar
Não tem tempo, nem piedade
Nem tem hora de chegar
Sem pedir licença, muda a nossa vida
E depois convida a rir ou chorar”
Por isso, amigo, sua gestão marca história ao convocar os administradores públicos tocantinenses a permitir que nossa sociedade, num futuro que impreterivelmente chegará, sem piedade, possa rir, e não chorar.
Não é por outro motivo que, quando falo desse esforço do TCE pela primeira infância, digo que você, caro André, é outro dos inúmeros bons legados que o governador Siqueira Campos deixou para o Tocantins. Fui um entusiasta de sua indicação para a nossa Corte de Contas desde que seu nome surgiu. Não simplesmente pela nossa amizade, quem vem ainda de sua passagem pela Unitins, mas porque essa amizade se consolidou por seu caráter, afetuosidade, competência e elevado espírito público, que se confirma com essa bandeira que o amigo empunha com tanto entusiasmo e afinco.
Saudações democráticas,
Cleber Toledo