A disposição e a vitalidade do ex-governador Siqueira Campos sempre me impressionaram. Nas campanhas de 2006, eu o acompanhei por umas duas semanas por todo o Estado. Pegávamos o avião cedo, por volta das 5h30 e 6 horas, e percorríamos às vezes mais de dez municípios. Ele sempre em pé nas caminhonetes que abriam as carreatas pelo interior, discursava – várias vezes testemunhei homens e mulheres chorando emocionados ao abraçá-lo – e seguia para a próxima cidade.
Assim ia até por volta das 22 horas, quando tomávamos o avião de volta para Palmas. Pousávamos aqui já perto da meia-noite e, ainda de madrugada, Siqueira já se levantava e chegava ao aeroporto 5h30 para repetir a rotina do dia anterior. Nunca o escutei reclamar de cansaço. Sempre com uma história deliciosa para contar sobre as lideranças locais que visitava.
Nas caminhadas – eu na época com menos de 40 anos –, tenho que confessar que tinha muita dificuldade de acompanhar o ritmo dele. Na verdade, Siqueira disparava à frente e eu ficava na poeira.
É com essa energia inesgotável que Siqueira Campos tocou o maior projeto de sua vida: a construção do mais novo Estado da Federação. Claro que não se faz o que ele fez e sai incólume. O ardor de suas ações produziram inimigos, que apontaram defeitos nas realizações e na personalidade do ex-governador. Aí entra outra virtude de nosso maior líder: sua genialidade política. Ele sabia articular como poucos, tinha convicção de que peça deveria mexer no tabuleiro do xadrez e as consequências disso dez movimentos depois.
Como grande enxadrista da política, marqueiteiro nato, Siqueira soube se sobrepor aos intentos de seus detratores e o resultado disso, se foi bom para ele, melhor ainda para o Tocantins. Para confirmar isso, está aí um Estado que, apesar de ter muito no que avançar, hoje oferece condições de vida a seu povo muito melhores que o antigo norte goiano, e Palmas, a mais nova e mais linda capital brasileira, terra da oportunidade, que me recebeu há duas décadas e até hoje estende os braços para milhares de migrantes que aqui chegam todos os anos e reconstroem suas vidas. Por isso, obrigado governador Siqueira Campos!
Deus levanta os homens certos para as missões mais complicadas. Siqueira é a prova. Sem sua personalidade forte e o projeto do que queria muito bem desenhado na cabeça, ainda poderíamos, em discussões improdutivas sem fim, estar debatendo onde seria a capital e, bem provável, Palmas não existiria. Certa feita, já sobrevoávamos o lago de volta para casa, depois de uma mais uma andança política pelo interior, eu, o ex-governador Raimundo Boi e mais uns políticos. Dr. Raimundo olhou para baixo, contemplou nossa Palmas e lembrou-se do voo no mesmo local que fizera havia 30 anos com Siqueira. Na área, três décadas antes, só havia pasto e um rio que corria bravo. Conta Dr. Raimundo Boi que Siqueira apontou para baixo e falou que ali construiria a capital do Tocantins, que em Lajeado teria uma barragem e que um lago seria formado à porta da nova cidade. Dr. Raimundo lembra-se que não disse nada, mas pensou na hora: “O Siqueira deve estar doido”.
O nome de Siqueira Campos vai ecoar para sempre. Daqui a 50, 100, 200 ou 300 anos ninguém mais se lembrará de nós, relés mortais, mas todos saberão exatamente quem foi Siqueira e seu imenso tamanho.
No entanto, o ex-governador nos deixa a missão de cuidarmos das árvores que ele plantou, Palmas e o Tocantins. Ele colocou as sementes, regou com muito zelo, amor, dedicação e total disciplina. Elas floresceram, mas, sobretudo em relação ao Estado, começamos mal nossa tarefa de jardineiro. Como já escrevi algumas vezes, o fim da hegemonia do siqueirismo foi muito bom para a efetiva democratização do Tocantins e sua oxigenação política. Mas, do ponto de vista econômico e financeiro, foi uma tragédia.
Motivos simples: sobrou ganância e faltaram a responsabilidade e o espírito público com que Siqueira regava todo dia suas plantas. Com a saída do ex-governador do Poder no início dos anos 2000, iniciou-se primeiro a batalha para tirá-lo de circuito, o que conseguiram em 2006; e depois outra refrega fratricida para ver quem herdava o espólio político. O resultado dessa disputa acéfala, insana e inconsequente foi a maior crise fiscal de nossa curta história. Siqueira entregou o governo em 2003 com apenas 35% de comprometimento de Receita Corrente Líquida com folha e Mauro Carlesse recebeu as chaves do Palácio em 2018 com incríveis 58%, com o Estado sem a mínima capacidade de investimento, sem condições de pagar fornecedores e a folha só liquidada com a gestão raspando os cofres.
Há cinco anos que o Tocantins vem num processo de recuperação de sua saúde fiscal, num trabalho iniciado por Carlesse e continuado pelo seu sucessor, Wanderlei Barbosa (Republicanos). Enfim, depois de anos de abuso, o bom senso voltou a se fazer presente.
Assim, a maior das homenagens que os líderes de Estado [e também seu povo, cobrando] podem fazer ao grande e inesquecível Siqueira Campos é cuidar como ele cuidou das suas plantas, fazer com que cresçam, frutifiquem e produzam o que seu idealizador tanto sonhou: um Tocantins que ofereça condições dignas de vida a todos os seus cidadãos.
Termino com outra passagem minha com Siqueira. Logo após a cassação de Marcelo Miranda, em 2009, o então presidente da Assembleia, Carlos Gaguim, se elegeu numa eleição indireta. O ex-governador, que achava que haveria nova eleição direta ou seria convocado o segundo colocado, decepcionado, já se preparava para uma disputa com Gaguim em 2010. Certo dia, Siqueira me chamou para conversar na 21 e me disse: “Acredita que estão num movimento para me convencer a sair candidato a senador no ano que vem? Mas estão enganados! Eu não que estou em busca de cargo, eu quero o que me roubaram, eu quero o Tocantins de volta”.
Em 2010, Siqueira venceu pela quarta vez e teve o Tocantins de volta.
Descanse em paz, eterno governador Siqueira Campos. Seu nome vai sempre estar acima de qualquer outro nome neste Estado maravilhoso que o senhor sonhou e construiu.
CT, Palmas, 5 de julho de 2023.