Logo após o rompimento da finada União do Tocantins, em meados dos anos 2000, a briga entre marcelistas e siqueiristas era intensa por apoio de prefeitos. O mais simbólico deles era o presidente da Associação Tocantinense de Municípios (ATM), o então prefeito de Pequizeiro, João Abadio, que caminhava ao lado do governador e pré-candidato à reeleição Marcelo Miranda. Deputado federal na época, o hoje senador Eduardo Gomes me dizia que trabalhava “muito e em silêncio” e garantia que iria tirar Abadio da base palaciana.
No início de uma manhã, Gomes me ligou, disse que conseguira e pediu para eu correr para Pequizeiro: o prefeito declararia apoio a Siqueira Campos. Peguei a BR-153 e disparei, sem pensar em velocidade. Quando vi, um carro da Polícia Rodoviária Federal dando luz às minhas costas. Além de atrasar a viagem e correr o risco de perder o anúncio de Abadio, pensei, tomaria uma multa monstra.
[bs-quote quote=”É nesse meio circo, meio hospício que o senador do Tocantins está entrando de cabeça. Será a oportunidade de Gomes testar toda sua reconhecida capacidade de articulação” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Encostei, e o policial rodoviário caminhou em minha direção. Abaixei o vidro pronto para a bronca e a multa. Ele já foi perguntando se eu era o Cleber Toledo. Quando respondi que sim, o oficial passou a relatar algumas dificuldades que sua categoria estava vivendo. Lembrei-me, então, que meu carro tinha um enorme adesivo do site no parabrisa traseiro. Prometi que faria matéria a respeito [e a fiz], nos despedimos e eu, aliviado, continuei à toda rumo a Pequizeiro. Cheguei a tempo de ver o anúncio de Abadio e Gomes dar suas tiradas sempre apropriadas nos discursos.
É só um exemplo pequeno da capacidade de articulação do senador tocantinense, que, depois de ter sido secretário-geral da Câmara, assume agora a maior missão de sua carreira: liderar no Congresso um governo imprevisível e totalmente destrambelhado. No meio político após o anúncio dessa quinta-feira, 17, de que Gomes fora o escolhido pelo presidente Jair Bolsonaro, o comentário era de que o parlamentar só aceitou essa missão hercúlea de olho na presidência do Senado. Pode ser, mas precisa ter cuidado para não cair na mesma armadilha que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. Teria ido por uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) que parece cada dia mais distante dele.
De toda forma, Gomes terá que ora ser um equilibrista em meio ao circo bolsonarista, que a cada momento surge com uma palhaçada diferente, como lançar o filho Eduardo Bolonaro (PSL-SP) para líder na Câmara no lugar de Delegado Waldir (PSL-GO) e queimá-lo duas vezes, para essa vaga e para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos; ora o tocantinense precisará atuar como enfermeiro para socorrer os loucos do hospício que se tornou o Palácio do Planalto, com um doido em território americano, Olavo de Carvalho, criando fantasias conspirativas que são compradas sem questionamentos pelo próprio presidente da República e seus filhos aloprados e vendidas à milícia bolsonarista odiosa.
É nesse meio circo, meio hospício que o senador do Tocantins está entrando de cabeça. Será a oportunidade de Gomes testar toda sua reconhecida capacidade de articulação. Se conseguir atuar como bom equilibrista, aplainará os instintos primitivos do presidente, que reage publicamente a qualquer fofoca que lhe chega ao ouvido. Se Gomes operar bons socorros aos loucos desse hospício, poderá até impedir que teorias da conspiração delirantes se tornem pauta presidencial, o que poderia segurar a milícia digital, que, como cão de guarda, está pronta a difamar qualquer um que o tal Carlos Bolsonaro, que deveria ser vereador do Rio, mande pegar. Como se vê, missão pra lá de espinhosa.
Agora, se não conseguir ser bom equilibrista desse circo e atencioso socorrista do hospício, o senador tocantinense será vítima desse mundo inóspito em que está entrando profundamente e sairá rotulado de “comunista”, “traidor”, “vendido”, entre outros adjetivos bolsonaristas sem qualquer nexo com a realidade, mas os quais o establishment insufla seu milicianos a dizer para descartar aqueles que não são mais bem-vindos entre palhaços, mágicos e lunáticos.
Dúvidas de que isso ocorra? Gustavo Bebbiano, Santos Cruz, Alexandre Frota, Joice Hasselmann, Delegado Waldir, e por aí vai.
CT, Palmas, 18 de outubro de 2019.