Poucos artistas na história da música popular brasileira experimentaram os extremos da vida pública como Lindomar Castilho. De um lado, o brilho incontestável dos palcos, o aplauso fervoroso de multidões e o eco imortal de suas canções românticas. Do outro, o peso de um crime que manchou para sempre sua trajetória e o lançou ao isolamento, onde hoje segue, longe dos holofotes, recolhido em silêncio.
As Origens de um Talento
Nascido Lindomar Cabral, em 21 de janeiro de 1940, na cidade de Rio Verde, interior de Goiás, o jovem foi criado em uma família de músicos, seus pais eram músicos e tinham uma certa condição financeira, por essa razão, Lindomar Cabral fora criando em um ambiente musical o que desde cedo lhe despertou o fascínio pelas artes sonoras. Estudou Direito, chegou a atuar como escrivão de polícia em Goiânia, mas o chamado da música falou mais alto.
Foi descoberto no início da década de 1960 por Diogo Mulero, o inesquecível Palmeira, da dupla Palmeira & Biá, produtor e diretor da gravadora Continental quando Lindomar tinha apenas 21 anos de idade, quando o mesmo resolveu fazer um serenata para uma mulher, porém nesse dia, a sorte estava olhando para o Lindomar, estava o grandioso e famoso Palmeira que ficou encantando com o talento musical do rapaz e também abismado com a qualidade das suas próprias composições. Sob orientação artística, adotou o nome Lindomar Castilho e lançou seu primeiro LP em 1962, com versões de clássicos de Vicente Celestino. Nascia ali uma voz potente, embalada por boleros, sambas-canção e baiões apaixonados, capaz de tocar os corações mais endurecidos.
O Auge de uma Carreira de Ouro
Durante as décadas de 1960 e 1970, Lindomar Castilho tornou-se um fenômeno nacional. Seu repertório romântico, dramático e por vezes exageradamente emocional, o consagrou como um dos grandes vendedores de discos da música brasileira. Canções como “Você é Doida Demais”, “Ébrio de Amor”, “Chamarada” e “Corazón Vagabundo” embalaram casais, serenatas e programações radiofônicas em todo o país.
Dono de um timbre inconfundível, Castilho colecionou sucessos e, por um longo período, foi considerado o “Rei do Bolero” no Brasil. Suas turnês arrastavam multidões, seus discos ultrapassavam a casa dos milhões em vendas, e sua presença nas rádios era praticamente diária.
O Episódio que Mudou Tudo
Entretanto, por trás da voz aveludada e das letras românticas, escondia-se uma personalidade marcada por ciúmes, possessividade e comportamentos abusivos. E nesse contexto, de muita fama, dinheiro, bebidas, ele conhece na mesma gravadora, uma mulher a qual se apaixona perdidamente.
Em 1977, tinha uma artista, contratada em sua mesma gravadora, Helena de Grammont, conhecida pelo nome artístico de Eliane de Grummont, uma jovem muito bonita, também compositora e cantora, sendo que na mesma época fazia um relativo sucesso, e em uma paixão, um amor à primeira vista, no corredor da gravadora, ambos se apaixonaram loucamente,
Em 1979, após dois anos de namoro, Lindomar casou-se com a jovem cantora paulista Eliane de Grammont, com quem teve uma filha, Liliane. Mas o casamento foi curto e conturbado. Relatos da época descrevem um relacionamento marcado por ciúmes excessivos e brigas constantes, onde Lindomar era muito controlador. Por essa razão, Eliane querendo agradar seu marido, acaba deixando sua carreira musical, resolve se tornar uma mera dona de casa, fazendo todas as concessões possíveis para tentar e manter o casamento. Porém, Lindomar bebia demasiadamente, ciumento ao extremo, mantinha uma possessividade que fazia com que sua esposa tivesse medo do próprio marido, tendo sofrido abusos psicológicos, agressões físicas e verbais, fazendo com que Eliane tomasse a decisão de se separar de Lindomar Castilho.
O Primo do Lindomar Castilho
Lindomar Castilho após fazer sucesso em todo o Brasil, o artista então convida o seu primo Carlos Randall para mudar-se para SP e fazer parte da sua banda musical.
Porém, após a separação de Lindomar Castilho e Eliane de Grammont, o próprio Lindomar briga com o seu primo, e o demite da sua banda musical, o próprio Lindomar, desconfiava que seu primo tinha um caso com sua esposa.
Eliane de Grammont, divorciada, com uma filha pequena nos braços, necessitando de dinheiro, resolve retomar a sua vida de cantora, porém convidando o instrumentista violonista Carlos Randall para acompanha-la em suas apresentações artísticas nas casas noturnas da cidade de São Paulo.
No dia 30 de março de 1981, o país foi surpreendido por uma tragédia: dentro da boate Café Belle Époque, em São Paulo, Lindomar Castilho assassinou Eliane com cinco tiros à queima-roupa, ferindo também o músico Carlos Randall. O crime, de repercussão nacional, chocou o Brasil e acendeu discussões sobre violência contra a mulher numa época em que o termo feminicídio ainda sequer fazia parte do vocabulário jurídico.
Preso em flagrante, o outrora aclamado cantor foi espancado por populares antes de ser detido. Julgado e condenado em 1984, recebeu pena de 12 anos e 2 meses de reclusão. Cumpriu parte da sentença em São Paulo e, posteriormente, em regime semiaberto em Goiás.
A Vida Após a Prisão
Durante o período de encarceramento, Lindomar Castilho lançou o disco “Muralhas da Solidão”, gravado dentro do presídio, numa tentativa de manter viva a chama artística que ainda lhe restava. Ganhou liberdade condicional em 1988 e, anos mais tarde, em 1996, obteve liberdade plena.
O retorno à vida artística, porém, nunca mais foi o mesmo. Em 2000, lançou um álbum ao vivo pela Sony Music, como uma tentativa de reconectar-se com seu público. Contudo, a sombra do crime cometido jamais se dissipou. Embora ainda possuísse uma base de fãs fiéis, a aceitação popular nunca recuperou os ares de outrora. As portas da grande mídia se fecharam, os convites rarearam e o artista, outrora ovacionado, passou a ser visto por muitos como um símbolo trágico de uma geração que ignorava os sinais de violência doméstica.
O Exílio Voluntário e o Silêncio
Atualmente, aos 85 anos, Lindomar Castilho vive em reclusão no estado de Goiás, em Goiânia. Longe dos palcos, distante da música e das câmeras, leva uma vida simples e isolada, marcada por reflexões e, segundo relatos, por sentimento de culpa e arrependimento. Em uma rara entrevista concedida recentemente, o cantor reconheceu a gravidade de seus atos e disse carregar consigo o peso daquele dia fatídico para o resto da vida.
Sua filha, fruto da união com Eliane, mantém-se distante, preservando sua memória materna e evitando qualquer aproximação pública com o pai. O nome de Eliane de Grammont, por sua vez, tornou-se símbolo na luta contra a violência de gênero, inspirando movimentos, debates e até mesmo a criação da Casa Eliane de Grammont, uma entidade voltada para a proteção de mulheres vítimas de violência.
A história de Lindomar Castilho é um desses capítulos da música brasileira que misturam talento, tragédia e contradição humana. Um artista de voz potente e carreira brilhante, que sucumbiu aos próprios demônios, manchando para sempre o legado que construiu. Hoje, seu canto repousa silenciado, como um eco distante de um tempo em que as emoções que ele entoava nos palcos acabaram por dominar de forma trágica a sua vida real.
RAFAEL DIAS
É acadêmico do Curso de Psicologia, possui formação em Direito, radialista, cantor, compositor, musicista, ex-integrante do famoso Trio Os Canarinhos do Brasil, criador e ex-maestro da 1ª Orquestra Sanfônica do Tocantins “Orquestra Amor Perfeito”, foi secretário do Procon Municipal de Palmas em 2023/2024.
@rafaeldiassp
rafaeldiasdesousapereira@gmail.com
Galeria de imagens da carreira de Lindomar Castilho







