Esse domingo, 15, foi surreal. Enquanto o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, é elogiado pelo trabalho de estruturação do País para enfrentar o novo coronavírus, o Covid-19, e os Estados, a exemplo do Tocantins, e os municípios fazem um esforço monumental para evitar o pior, mesmo com sérios prejuízos à economia, a autoridade máxima do País, o presidente da República, Jair Bolsonaro, dá um péssimo exemplo ao aderir uma manifestação insana — nem se discute as bandeiras, mas momento em que foi realizada.
[bs-quote quote=”Não há atitude mais antipatriótica do que desrespeitar a orientação das autoridades de saúde e ir se aglomerar nas ruas, seja qual for a suposta justa causa, levando risco de disseminar uma doença que está tirando o sono do País e do mundo. É muita incoerência” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Bolsonaro liderou uma viagem em que resultou em nada menos do que nove pessoas contaminadas pelo Covid-19. Ele próprio testou negativo, mas deveria estar em isolamento. No entanto, mostrando-se mais uma vez que não está à altura do cargo, ignorou todas as normas sanitárias para esses dias e manteve contato direto com mais de 200 pessoas no protesto que tinha como alvo o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
Um especialista disse à CNN Brasil na manhã desta segunda-feira, 16, que a Itália há um mês estava na mesma situação dos brasileiros hoje. Ele ainda garantiu que não há nenhum exagero nas prevenções que as autoridades do Brasil estão adotando e lembrou que a letalidade do novo coronavírus entre os italianos chegou a 7% — 368 mortos só de sábado, 14, para domingo. Um jornalista que vive na Europa postou o seguinte no Twitter: “Há duas semanas, a Europa via o coronavírus do mesmo modo que hoje vocês estão vendo aí no Brasil. Parecia algo distante, só na Ásia, com casos isolados, mas não gerava preocupação”.
A revista Galileu, de ciência e tecnologia, informa que as pessoas que tiveram a Covid-19 podem sofrer danos permanentes nos pulmões, segundo as autoridades do Hospital de Hong Kong, na China. De acordo com a revista, os médicos da instituição notaram que, nos pacientes que se recuperaram da doença, houve redução de 20% a 30% da capacidade pulmonar, gerando maior dificuldade para respirar em caminhadas mais rápidas, por exemplo.
No entanto, o que se viu Brasil afora nesse domingo foi de uma insanidade absurda, a materialização da ignorância, com protestos compostos, inclusive, pelos alvos prediletos do Covid-19, os idosos. De novo: aqui não se está discutindo as bandeiras, ainda que questionáveis pela forma da abordagem, mas o momento inapropriado e o fato de se ver tantas pessoas desdenhando de uma doença que derruba mercados globais, mata milhares de pessoas e tira o sono dos maiores líderes mundiais, claro, menos do nosso presidente, inepto, ser de pouquíssima leitura e cuja mente insiste em ficar reclusa à Idade Média. Na CNN Brasil, vimos um constrangido ministro Mandetta chamando a atenção de seu presidente com muitos cuidados: “Fazer aglomeração está completamente equivocado. Não estou dizendo do presidente, de todos. Está errado”.
Como postei nas redes sociais nesse domingo, não há atitude mais antipatriótica do que desrespeitar a orientação das autoridades de saúde e ir se aglomerar nas ruas, seja qual for a suposta justa causa, levando risco de disseminar uma doença que está tirando o sono do País e do mundo. É muita incoerência.
Ao microfone, nos assustamos ao ver um líder dos protestos dizer que o novo coronavírus é uma mentira, inventada para derrubar os mercados globais e que a doença não mata ninguém. É isso que o presidente da República avalizou ao sair do Palácio do Planalto para se confraternizar com os fanáticos que o aguardavam. Passados um ano e três meses de sua posse, Jair Bolsonaro ainda não consegue ver a dimensão de seu papel na República e o que o líder da Nação representa não só pelos atos que assina, mas pelo que fala e pelo que faz. É muito raso e, claro, não dá mesmo para cobrar do presidente o que ele não tem: altura para o cargo.
A despeito de um líder tão despreparado, as autoridades brasileiras federais, estaduais e municipais não podem baixar a guarda. Se o presidente da República não tem noção do seu papel, os demais líderes não podem se espalhar nele, mas ter espírito público elevado para mitigar os estragos que o novo coronavírus poderá causar à população, como fez o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), nesse domingo, ao enfrentar os fanáticos para tentar chamá-los à realidade. Quase acabou agredido.
Não poderia ser diferente. Quem vê o novo coronavírus como uma articulação da China contra os mercados globais perdeu todo o senso da realidade, toda a racionalidade, está imerso numa alienação total. Só lhe resta camisa-de-força.
CT, Palmas, 16 de março de 2020.