O Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou nesta quarta-feira, 13, o julgamento dos embargos de declaração nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 7.228 e 7.263, decidindo pela retroatividade da nova interpretação sobre as sobras eleitorais. Isso significa que os efeitos da decisão serão aplicados às eleições de 2022, provocando a redistribuição de cadeiras na Câmara dos Deputados. No Tocantins, o deputado Lázaro Botelho (PP-TO) perde o mandato, e Tiago Dimas (Podemos-TO) assume.
O que são as sobras eleitorais e as três fases de distribuição?
O sistema eleitoral brasileiro prevê que, nas eleições proporcionais (deputados e vereadores), as cadeiras são distribuídas em três fases:
Primeira fase: O partido precisa atingir o quociente eleitoral, que é o número de votos válidos dividido pelo número de cadeiras em disputa. Somente os partidos que atingem esse quociente e cujos candidatos receberam pelo menos 10% do quociente eleitoral participam da distribuição inicial das cadeiras.
Segunda fase: As vagas remanescentes são distribuídas entre partidos que alcançaram pelo menos 80% do quociente eleitoral, desde que seus candidatos tenham atingido 20% desse quociente.
Terceira fase: Quando ainda restam cadeiras a serem preenchidas, estas são distribuídas conforme as maiores médias dos partidos. No modelo antigo, não existia esta fase, apenas partidos que alcançaram 80% do quociente eleitoral participavam. Com a decisão do STF, todos os partidos passam a disputar as sobras, independentemente do quociente.
O que aconteceu em 2022?
Nas eleições de 2022, a distribuição das sobras foi feita com base na regra declarada inconstitucional pelo STF, excluindo da terceira fase os partidos que não atingiram 80% do quociente eleitoral. Isso permitiu que alguns candidatos fossem eleitos mesmo sem atingir 20% do quociente, enquanto outros partidos e candidatos, com médias e votação maior, ficaram de fora.
O caso de Lázaro Botelho (PP-TO) ilustra essa distorção: ele foi eleito sem cumprir o critério dos 20%. Sendo assim, Tiago Dimas tem direito a vaga, pois o Podemos-TO tem a maior media na terceira fase de distribuição.
A decisão do STF e seus impactos
O STF decidiu, em 2024, que a regra que impedia a participação de partidos na terceira fase era inconstitucional, pois violava o princípio da proporcionalidade. No entanto, por 6 votos a 5, decidiu modular os efeitos, aplicando a decisão apenas para a próxima eleição.
Os embargantes argumentaram que a modulação foi irregular, pois, segundo o artigo 27 da Lei nº 9.868/99, é necessário quórum de dois terços para modular os efeitos de uma decisão de inconstitucionalidade. Como a decisão foi tomada por maioria simples, a modulação não deveria ser aplicada.
No julgamento dos embargos de declaração, o STF formou maioria para anular a modulação dos efeitos e aplicar a decisão retroativamente, corrigindo as distorções na distribuição das cadeiras da Câmara.
O que acontece agora?
Com a decisão definitiva do STF, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve efetuar a recontagem das cadeiras com base na nova regra, alterando a composição da Câmara dos Deputados. O TSE poderá delegar aosTribunais Regionais Eleitorais (TREs) a recontagem, tendo em vista que são os TREs responsáveis pela publicação da proclamação dos eleitos nas eleições gerais.
Os efeitos da decisão não atingem a composição das Assembleias Legislativas
Muito se presumiu sobre a possibilidade de a decisão do STF impactar os parlamentos estaduais. No entanto, não haverá alterações nas Assembleias Legislativas. Diferentemente do que ocorreu na Câmara dos Deputados, nenhum deputado estadual no Brasil foi eleito sem cumprir os critérios de desempenho da segunda fase de distribuição das sobras eleitorais. Tanto os partidos quanto os candidatos cumpriram os requisitos estabelecidos – 80/20 –, garantindo a legitimidade das composições estaduais.
Célio Moura e a tentativa de reivindicar a vaga de Eli Borges
Nos últimos dias, Célio Moura tem divulgado que pretende reivindicar uma das vagas que serão redistribuídas após a decisão do STF. No entanto, seu pleito não encontra respaldo na legislação eleitoral e na forma como a distribuição das cadeiras foi definida.
O deputado Eli Borges (PP-TO), cuja vaga está sendo questionada por Célio Moura, foi eleito na segunda fase da distribuição das sobras eleitorais. O Partido Progressista (PP) alcançou 80% do quociente eleitoral e Eli Borges obteve mais de 20% do quociente, garantindo sua eleição dentro das regras de desempenho estabelecidas.
Vale ressaltar que, enquanto houver partidos com 80% do quociente eleitoral e candidatos com 20%, as vagas continuam sendo redistribuídas entre essas legendas. A terceira fase da distribuição das sobras só ocorre quando não existem mais partidos e candidatos que atendam a esses critérios.
Portanto, quando chegou-se à última distribuição das cadeiras, não havia mais partidos com 80% do quociente nem candidatos com 20%, abrindo-se assim a vaga que foi originalmente preenchida por Lázaro Botelho e que agora passa para Tiago Dimas (Podemos-TO). Dessa forma, Célio Moura não tem direito a nenhuma vaga na Câmara dos Deputados, pois seu partido (Federação) não cumpriu os critérios da segunda fase de distribuição e tampouco figura na redistribuição válida da terceira fase.
O impacto político da nova composição no Tocantins
A decisão do STF alterou diretamente a composição da bancada do Tocantins na Câmara dos Deputados, trazendo consigo mudanças no cenário político do estado. A substituição de um parlamentar impacta não apenas as forças políticas locais, mas também as alianças partidárias, a interlocução com o governo federal e estadual, e a forma como as demandas do Tocantins serão representadas em Brasília.
Com a entrada de Tiago Dimas (Podemos-TO) no lugar de Lázaro Botelho (PP-TO), o equilíbrio entre os partidos se modifica, gerando novos arranjos e possíveis realinhamentos dentro da bancada federal do estado. Isso pode influenciar tanto a destinação de emendas parlamentares quanto a priorização de projetos voltados para a região. Além disso, a mudança traz reflexos para o próprio partido Progressistas, que perde uma cadeira e pode rever sua estratégia eleitoral para os próximos pleitos.
A reconfiguração do quadro político reforça a importância do sistema eleitoral proporcional e da necessidade de garantir que as regras sejam aplicadas corretamente desde o início. O erro na interpretação da legislação eleitoral custou dois anos de mandato a um candidato que, desde 2022, já deveria ocupar a vaga. Esse tipo de distorção compromete a estabilidade do sistema e gera impactos diretos na representação democrática.
A necessidade de compreensão do sistema eleitoral proporcional
O sistema proporcional é um dos aspectos mais complexos do processo eleitoral brasileiro, e sua compreensão ainda é limitada entre grande parte dos eleitores. Diferente do sistema majoritário, em que vence o candidato mais votado, no voto proporcional o eleitor vota no partido, e não apenas no candidato. Isso significa que a votação em uma legenda define quantas cadeiras ela terá direito e quais candidatos serão eleitos com base na distribuição interna dos votos.
O caso recente da redistribuição das sobras eleitorais pelo STF exemplifica como a falta de conhecimento sobre esse sistema pode gerar distorções e equívocos, tanto por parte dos eleitores quanto dos próprios legisladores.
Além disso, essa discussão reforça a necessidade de os eleitores acompanharem não apenas os candidatos, mas também os partidos pelos quais votam. Como o sistema proporcional prioriza a distribuição das cadeiras entre as legendas, muitas vezes o voto em um candidato específico pode contribuir para a eleição de outro. Esse mecanismo exige atenção do eleitorado sobre o funcionamento do sistema eleitoral e sobre as consequências de suas escolhas na urna.
PAULO MELLO
É advogado, especialista em Direito Eleitoral e vice-presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-TO.