Se pudesse eleger uma legislação como sendo uma das mais importantes na atualidade, escolheria a Lei 12.850 de 02 de agosto de 2013, conhecida como Lei do Crime Organizado. Merece destaque (e aplausos) o fato de que a Lei 12.850/2013, como vemos todos os dias na imprensa, pode ser aplicada tanto para criminosos pobres – que se associam em organizações chamadas popularmente de facções – para prática de delitos como tráfico, roubos, sequestros, homicídios, quanto para criminosos de colarinho branco, nos chamados crimes de corrupção, muito mais violentos e destruidores que os citados anteriormente, uma vez que dizimam centenas de vidas que aguardam leitos em hospitais, e destroem milhares de futuros, ao subtraírem a verba que seria aplicada na educação, medida essencial para tirar nosso país do fosso do subdesenvolvimento.
A lei do crime organizado, em um de seus artigos principais, criminaliza a conduta de promover, financiar ou integrar, seja pessoalmente, seja por terceiros, uma organização criminosa. Sobre o conceito de organização criminosa, a própria Lei determina os requisitos: mínimo de 04 pessoas; estrutura ordenada com divisão de tarefas, ainda que informalmente; objetivo de obter diretamente ou indiretamente vantagem de qualquer natureza, ou seja, não exclusivamente vantagens econômicas, mediante a prática de delitos cujas penas máximas sejam superiores a 04 anos, ou ainda, que tenham pena inferior, que sejam de caráter transnacional.
[bs-quote quote=”Ao lado da resistência dos bons profissionais, é necessário que a população se rebele contra atos de embaraço, ao mesmo tempo em que o Poder Judiciário e o Ministério Público devem agir com a seriedade e independência que deles se espera” style=”default” align=”right” author_name=”WANDERSON CHAVES DE QUEIROZ” author_job=”É delegado de Polícia Civil noTocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/11/WandersonChavesdeQueiroz-180.jpeg”][/bs-quote]
Além do crime de integrar organização criminosa, muito sabiamente o legislador criou outro delito ao tipificar o embaraço à investigação de infração penal que envolva organização criminosa, como uma forma de garantir o objetivo da Lei, que é o efetivo combate às organizações voltadas para o lucro através do crime. A título de exemplo, se amolda ao crime de embaraço toda e qualquer ação que possa dificultar, impedir, atrapalhar, prejudicar, frustrar ou obstaculizar investigação em trâmite que envolva crime praticado através de organização criminosa. Nessa seara os atos podem ser praticados de diversas formas, inclusive com a utilização do poder estatal para retirar profissionais da presidência das investigações, através de atos de remoção ilegal para outras unidades e extinguir delegacias de polícia com investigações em andamento, desde que o fim do ato público determinado pela autoridade pública, e por quem o auxilia, seja o de embaraçar a atividade investigatória, para beneficiar um grupo criminoso organizado.
Outra forma possível de embaraçar uma investigação de infração penal envolvendo crime organizado é não possibilitar, de forma consciente, os meios indispensáveis para o desempenho ideal dos trabalhos, como manter estrutura mínima, quantidade de pessoal adequada e material básico essencial.
A Lei também apresenta agravantes para as condutas criminosas citadas, como quando são praticadas com a participação de criança ou adolescente ou com a associação de funcionário público que utiliza dessa condição para execução do crime, por exemplo, servidores dos escalões superiores do poder, que utilizam do cargo público, não para fins republicanos, mas com objetivos escusos, como, hipoteticamente, a condução de licitações de forma a facilitar que membro da organização vença certame fraudulento, visando o pagamento de propinas. De se observar que, uma mesma série de atos pode configurar crime de fraude à licitação e posterior lavagem de dinheiro, praticados por intermédio de organização criminosa.
Para a investigação de crimes envolvendo organização criminosa, a Lei permite a colaboração premiada, popularmente chamada de delação premiada, que é aquela em que o criminoso recebe vantagens na aplicação da pena por colaborar, possibilitando a identificação de demais membros organizados, da estrutura hierárquica, da divisão das tarefas, para a prevenção de novos crimes, recuperação do proveito dos crimes, e, nos casos envolvendo vítimas humanas, a localização e a integridade do vitimado.
A Lei também possibilita a ação controlada, que é a autorização legal de o agente policial não prender o investigado em flagrante de crime que esteja monitorando, para realizá-la em momento mais oportuno, que possibilite, por exemplo, identificar outros comparsas ou avançar na quantidade e qualidade das provas a serem coletadas.
Outros mecanismos investigativos apresentados pela Lei são: acesso a dados telefônicos e interceptações telefônicas, quebra de sigilo de dados fiscais e bancários e infiltração de policiais – que ocorre quando o policial, autorizado judicialmente, convive e age entre os criminosos para levantamento de informações e indicação de provas, além da cooperação internacional.
Também como forma de proteção das investigações, o legislador facultou ao juiz poder afastar cautelarmente funcionário público de seu cargo, emprego ou função, quando houver indícios de que integre organização criminosa. Essa medida judicial tem poder de conservar provas, que eventualmente podem ser destruídas pelo servidor investigado, além de impedir que tal funcionário use de seu cargo público para prejudicar a coletividade, traindo a missão que sua posição social impõe.
Por fim, muito embora a Lei seja moderna e eficiente, ainda que a Lei debatida represente uma ferramenta fantástica para as investigações, muito mais importante que o exposto é a necessidade de os investigadores não se calarem passivamente frente a arbitrariedades que possam frear as investigações em andamento. Ao lado da resistência dos bons profissionais, é necessário que a população se rebele contra atos de embaraço, ao mesmo tempo em que o Poder Judiciário e o Ministério Público devem agir com a seriedade e independência que deles se espera, evitando que o crime se instale, subjugando pessoas e instituições.
Parafraseando reflexão atribuída a Martin Luther King, e conclamando todos à indignação, o que causa preocupação não é a ação criminosa dos corruptos, dos violentos, dos desonestos, dos sem caráter ou ética, preocupante mesmo é o silêncio dos que sofrem essas mazelas e se calam.
WANDERSON CHAVES DE QUEIROZ
É delegado de Polícia Civil no Tocantins.
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